A mitologa grega conta-nos a história de um rei cruel, chamado Licaon. Zeus, o deus dos deuses, teria ouvido falar dos horrores causados por tal homem e decidiu investigar o que realmente se passava. Licaon recebeu Zeus e, pensando que não seria um verdadeiro deus, deu-lhe a comer carne humana. Mas Zeus, reconhecendo-lhe a malvadez, manifestou a sua ira. Licaon, vendo que afinal estava perante um verdadeiro deus, fugiu para o campo. Como castigo de Zeus, Licaon começou lentamente a sofrer uma transformação em homem-lobo.*
. Imagem retirada da Internet
À semelhança do que acontece com o mito grego de Licaon, um pouco por todo o mundo diferentes culturas têm no seu imaginário histórias sobre homens que se transformam em animais. Na Europa e na América, ouvem-se as histórias dos famosos “lobisomens”, na Ásia ouvem-se as histórias dos homens-tigre e em África dos homens-hiena. Na Guiné-Bissau, são comuns as histórias de homens que se transformam em hienas - geralmente designadas lobos - ou de hienas que se transformam em homens.
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Há relatos de que, numa tabanca em Susana, na região de Varela, uma célebre djambacós (feiticeira) foi, um dia, visitada por homens-lobo. Era noite e havia uma fogueira. Eram neste caso lobos disfarçados de homens, cobertos com mantos, muito embora a sua fala distorcida e os seus pés peludos não tivessem enganado a mulher nem as crianças escondidas dentro da moransa. Os homens-lobo encomendaram uma cerimónia e, depois de realizado o processo, deixaram o “agradecimento” num saco que continha nada mais que um conjunto de ossos de outros animais, em vez do habitual óleo de palma ou arroz tipicamente ofertado por seres humanos. Poucos minutos depois de se afastarem, ouviram-se os uivos das feras. Ora, neste curioso relato parecem estar equilibradas as forças entre estes seres sobrenaturais e os seres humanos, estando estes protegidos pela acção da djambacós, parece até haver uma espécie de troca de favores ou, pelo menos, uma convivência pacífica. O mesmo não acontece noutras versões, segundo as quais esses homens-lobo são eles próprios feiticeiros. Nestes casos, os homens feiticeiros escolhem a floresta e a noite para se transformarem. Transformam-se quando têm um determinado objectivo, como por exemplo roubar um espírito que lhes agrade. Se o feiticeiro conhecer uma criança ou jovem com um bom espírito, transforma-se em lobo para a poder matar e passar esse espírito a um mulher grávida da sua preferência, geralmente sua filha ou sobrinha. Depois dessa cerimónia, nascerá uma criança com o espírito bom das vítimas. Os feiticeiros podem também transformar-se em lobos sem qualquer intuito de beneficiar alguém, agindo apenas por inveja ou vingança.
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Para além das histórias sobre os homens-lobo, existem relatos sobre seres humanos transformados em crocodilos - geralmente designados lagartos. Devido à necessidade que têm de estar perto de água, os homens-lagarto podem ser reconhecidos desde muito cedo e, por isso, têm que ter cuidados especiais para se protegerem. As mães das crianças-lagarto têm que ter sempre o cuidado de ter uma bacia com água em casa, porque, durante a noite, as crianças-lagarto precisam de nadar para chamar o sono. Por outro lado, quando crescem o seu poder é enorme e os seus instintos de vingança são apurados, especialmente em relação aos rapazes que os apedrejavam quando eram pequenos e estavam transformados, pensando que eram verdadeiros lagartos e não seres humanos. Diz-se que os homens-lobo nascem no seio dos balantas de Nhacra, enquanto que os homens-lagarto são balantas de Cuntoe…
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Há muitos anos atrás, na zona que é hoje o bairro do Quelelé, havia uma bonita lagoa rodeada de areia branca. Perto da lagoa, as bolanhas tinham plantações da cana-de-açúcar, nas quais morava uma terrível serpente de um só olho, que se transformava em gente, em vento e em vários animais. Devido ao seu poder de transformação, só os feiticeiros a podiam reconhecer, passando despercebida à maior parte das pessoas. Naquela época não havia facilidade de transporte, pelo que se faziam grandes caminhadas a pé. Para além disso, a estrada que liga Prábis ao Bandim não era alcatroada, o que fazia com que as pessoas chegassem à cidade empoeiradas, a precisar de tomar banho e trocar de roupa. Quando as mães se aproximavam da lagoa com as crianças para tomar banho, logo aparecia a serpente em forma de vento. Entoava três vezes o som cuk, cuk, cuk, e voava com a criança para dentro daquela plantação de cana-de-açúcar. As mães ficavam a chorar sem recuperar as crianças.
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Através da transformação homem-animal, estes relatos parecem evocar um plano sobrenatural e primitivo, no qual alguns seres humanos (os feiticeiros) descobrem dons e poderes, enquanto outros homens se sentem aterrorizados. Nesse plano primitivo e sobrenatural estará, talvez, a origem do mal, do poder, do medo, da inveja e da vingança humanas, que se mostram como algo instintivo e incontrolável. Pelo receio de estarem a evocar esse plano, as testemunhas destas histórias não quiseram identificar-se ou deixar-se fotografar, evitando despertar contra si próprios essas maldições. .
Relatos recolhidos por Djamila Vieira, Justino Ampanil, Ocante Yé, Abrão Nanque
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* Do nome da personagem principal deste mito grego surgiu a palavra “licantropia”, que designa a maldição de um homem que se transforma em lobo. Designa também os sintomas psicológicos sentidos por indivíduos que acreditam transformar-se em lobos.