segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Urcelina Gama Gomes - presidente do IMC

Urcelina Gama Gomes, presidente do Instituto da Mulher e Criança

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Urcelina Gomes nasceu em Bissau a 12 de Março de 1966. É jurista de profissão e está há quatro anos no Instituto da Mulher e Criança. Também gosta de moda e, nos tempos livres, é estilista.

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A: Qual é a razão do aparecimento do Instituto da Mulher e Criança?
UG: Havia necessidade de criar uma instituição, por parte do Estado, que tratasse de todos os assuntos da mulher e da criança. Por isso foi fundado este instituto em Fevereiro de 2000. O papel do instituto é fazer respeitar os direitos das mulheres e das crianças na sociedade guineense.

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A: Como é que protegem os direitos das mulheres?
UG: A melhor forma de proteger a mulher e a própria criança é ensinar-lhes a conhecerem os seus direitos e deveres e como é que devem protegê-los.

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A: É possível fazer-nos uma caracterização da mulher na sociedade guineense?
UG: A mulher guineense é batalhadora e, ao mesmo tempo, sofredora e triste. A pobreza é a principal causa deste sofrimento e tristeza.

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A: São as mulheres que procuram a instituição ou é a instituição que vai ao encontro das mulheres?
UG: Algumas mulheres procuram a instituição, mas muitas vezes é o instituto que vai ao encontro das mulheres depois de uma denúncia. Apoiamos no caso de violações e fazemos o encaminhamento desses casos para a justiça. Também actuamos no apoio à maternidade.

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A: No caso das mulheres que procuram a instituição, quais são as razões mais frequentes que as levam a dar esse passo?
UG: É a violência doméstica. A maior parte dos acompanhamentos que fazemos estão relacionados com os desentendimentos entre homem e mulher. Fazemos um trabalho de mediação, baseado no diálogo e na sensibilização. Por outro lado, também temos uma grande preocupação com a violência contra as crianças. Há casos de crianças violadas e espancadas. Tivemos um caso há pouco tempo de uma criança que foi espancada por causa de mil francos.

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A: Quais são as dificuldades que a instituição encontra?
UG: Às vezes há resistência e somos obrigados a ser acompanhados pela polícia, porque o nosso papel não é fazer a justiça mas sim orientar tanto o homem como a mulher. Por parte das mulheres, o instituto é bem acolhido. Às vezes as mulheres sofrem em silêncio há muitos anos e aproveitam a oportunidade para exteriorizarem e até resolverem os seus problemas. A maior parte das mulheres tem interiorizado o princípio de que tem que sofrer no casamento para criar bem os seus filhos. São educadas para sofrer. Esta mentalidade está muito longe de ser mudada. Preocupamo-nos em estar presentes e em apoiar. Sabemos que, apesar de haver um longo caminho a percorrer, não podemos agir a qualquer custo e correr o risco de perdermos a confiança conquistada. Não queremos que o instituto seja visto como estando a orientar mal as mulheres, tem que ser um trabalho contínuo.

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A:A mudança de mentalidades passa pela educação, mas a Guiné-Bissau tem uma elevada taxa de analfabetismo e de abandono escolar feminino. Qual é a razão deste fenómeno?
UG: As raparigas desistem mais facilmente dos estudos porque são obrigadas a dedicar-se às tarefas domésticas. Muitas raparigas são levadas para o casamento aos doze ou catorze anos e muitas vezes já foram dadas em casamento à nascença. Há etnias em que é tradição reservar uma filha para o tio. As pessoas alegam que é uma questão de cultura e tradição e que não se pode ir contra estas práticas. O nosso objectivo é mudar esta mentalidade, mas é um trabalho árduo e que não tem resultados de um dia para o outro.

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A: Sente que o balanço do vosso trabalho é positivo?
UG: Já conquistámos muitos aspectos positivos. Sentimos que há sempre algum sucesso na nossa intervenção, sem que haja qualquer violência porque a violência não resolve nada. Procuramos incutir o princípio da calma e do respeito.

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A: Para finalizar, há algum caso que nos queira relatar? Como é que o instituto ajudou a resolver a questão?
Tivemos um caso curioso, em que um homem deixou a mulher, não queria deixá-la ficar com o filho e passava em frente da sua casa na companhia da segunda mulher. A primeira mulher veio ter connosco e nós decidimos chamar o marido, que nos disse que já não amava a mulher. Dissemos ao marido que tinha esse direito mas que procurasse agir de uma forma mais respeitosa, o que o fez reflectir e mudar de atitude. Conclusão… mais tarde acabaram por ficar juntos novamente e às vezes vêm visitar-nos.
Há ainda outra questão delicada na Guiné, que é a questão da mutilação genital feminina. Temos aqui uma pessoa, que trabalha connosco, que já passou pelo mesmo e por isso consegue fazer um trabalho de sensibilização mais eficaz, porque faz parte dessa cultura e consegue ultrapassar o secretismo que envolve estas práticas.

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Djamila Vieira, Abraão Nanque, Mário Albino Ié

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